Não há dados que sustentem diferentes níveis de violência nos relacionamentos homossexuais e heterossexuais. Aliás, estudos recentes desenvolvidos em Portugal e que reforçam indicadores já encontrados em outros países, revelam que a violência em casais do mesmo sexo é tão frequente como a violência em relacionamentos entre pessoas de sexo diferente.
As semelhanças nas dinâmicas presentes nestes relacionamentos violentos são diversas: nos tipos de violência, nas estratégias do/a agressor/a, no ciclo de violência e no impacto e consequências para as vítimas. Mas existem alguns aspectos distintivos na violência doméstica nos casais de gays e de lésbicas:
- O outing como instrumento de intimidação
Esta é uma estratégia de violência psicológica específica dos casais de gays e de lésbicas: revelar ou ameaçar revelar a orientação sexual do seu parceiro. Assim, se um/a dos parceiro/as não fez ainda o "outing", ou seja, não revelou a sua homossexualidade no seio da sua família, rede de amigos e/ou no trabalho, o/a agressor/a pode utilizar a ameaça de o denunciar como gay ou lésbica como um poderoso instrumento de controlo e de intimidação da vítima;
- A ligação entre a sua identidade sexual e violência
Para muitas destas vítimas a sua identidade sexual aparece intimamente ligada à/s sua/s relação/ções violentas, pelo que podem culpabilizar-se pelo facto de estarem a ser vítimas de violência doméstica devido a serem gays ou lésbicas.
- Violência doméstica como problema dos heterossexuais
Quando se fala de violência doméstica fala-se sobretudo da violência exercida pelo agressor homem contra a vítima mulher em relacionamentos hetero – a mais conhecida e com maior representação estatística –, podendo mesmo acreditar-se que as relações entre pessoas do mesmo sexo, supostamente mais equalitárias, estarão a salvo deste tipo de problemática. Por outro lado, pode considerar-se (erradamente) que o uso da violência física, é uma característica masculina, pelo que, menos provável nas relações lésbicas.
Este quadro pode levar a que:
Não se acredite que exista nas relações entre pessoas do mesmo sexo e por isso a vítima gay ou lésbica nessa situação não se reconheça como vítima de violência doméstica;
Amigos e familiares de vítimas gays ou lésbicas não saibam exactamente o que fazer quando tomam conhecimento das situações de violência doméstica.
- O isolamento e a confidencialidade da comunidade LGBT
Muitas vezes, a reduzida dimensão da rede e das comunidades LGBT a que agressor/a e vítima pertencem pode dificultar o pedido de ajuda por parte da vítima.
Existe também o receio de ser estigmatizado/a no seu grupo ou do isolamento relacional por parte do/a agressor/a: dificultar ou proibir o contacto com família, amigos e colegas ou mesmo de sair. Isto pode ser especialmente verdade para vítimas que estão envolvidas em dinâmicas de violência no seu primeiro relacionamento.
- O estigma na procura de ajuda
Pelo receio do estigma na procura de ajuda e no contacto com organizações públicas e privadas as vítimas gays e lésbicas poderão ter dificuldade acrescida em procurar e obter ajuda. Isto, associado a experiências anteriores de discriminação ou pedidos de ajuda sem sucesso, pode levá-las aumentar o seu isolamento e, consequentemente, a sua vulnerabilidade.
A APAV, na sua rede nacional de Gabinetes de Apoio à Vítima, existe para apoiar vítimas de crime e de violência independentemente da sua orientação sexual. Um número crescente de vítimas gays e lésbicas têm procurado o apoio da APAV.
Mitos & Factos
A violência doméstica em casais do mesmo sexo está povoada de alguns mitos: alguns desculpabilizam o/a agressor/a e minimizam a sua violência, outros culpabilizam a vítima.
Mito: "A violência nos casais gays e de lésbicas é mútua"
Facto: A violência doméstica é, sobretudo, uma questão de poder e do seu exercício e controlo. Nas vivências violentas homo ou heterossexuais, o exercício desse poder através da violência não se traduz apenas em violência física, mas também psicológica, social, económica. Mesmo relativamente à violência física, o facto de serem dois homens ou duas mulheres não significa que exista um equilíbrio de poder ou de força física.
Mito: "As drogas e/ou o álcool é que o/a tornam violento/a"
Facto: O álcool e a droga podem potenciar a violência ou o grau de violência da agressão, mas não explicam, nem podem desculpabilizar a violência. Culpar as drogas e/ou o álcool servirá apenas para desculpabilizar o/s comportamento/s violentos do/a agressor/a.
Provavelmente o/a agressor/a também já exibiu sinais de violência em situações ou momentos em que não estava sob o efeito do álcool ou droga. A vítima precisa reconhecer e acautelar, nestas circunstâncias, a possibilidade de ocorrência de comportamentos mais violentos.
Mito: "A lei não me protege e a polícia não quer saber"
Facto: A lei protege – actualmente o Código Penal prevê expressamente que o crime de violência doméstica existe nos relacionamentos gays e de lésbicas.
A polícia tem a missão e a obrigação de proteger e ajudar todas as vítimas de crime. A polícia portuguesa, sobretudo na última década, têm vindo a desenvolver um grande esforço nesse sentido. No contacto com a polícia ou outros orgãos de segurança não hesite em fazer valer os seus direitos como vítima. A APAV também pode apoiar nesse contacto.
In: www.apav.pt