Radiografia da lei[Tens de ter uma conta e sessão iniciada para poderes visualizar esta imagem]27.07.
2008 - Prós e contras das principais alteraçõesDivórcio sem o consentimento
de um dos cônjuges
Acaba
o divórcio por violação culposa dos deveres conjugais e passa a haver
divórcio sem o consentimento de um dos cônjuges, desde que assente em
"causas objectivas".
Pró: Evitar que "o processo de divórcio (...) se transforme num litígio persistente e destrutivo com mediação de culpas".
Contra:
"Eliminada a responsabilidade dentro do casamento. E, assim, os deveres
conjugais, uma vez violados, não têm qualquer consequência. Mais, o
violador dos deveres, por exemplo, aquele que bate na mulher, pode,
valendo-se desse facto, pedir o divórcio contra o agredido." Petição do
Fórum da Família
Regra da compensação
Acaba a presunção de
renúncia dos "créditos de compensação" no momento da partilha dos bens,
mediante os quais "se a contribuição de um dos cônjuges para os
encargos da vida familiar exceder manifestamente a parte que lhe
pertencia (...) esse cônjuge torna-se credor do outro "pelo que haja
contribuído". Válido quando haja manifesta desigualdade de contributos
para os encargos familiares.
Pró: As mulheres, por compromissos
familiares, renunciam por vezes à vida profissional. Isso acaba por
colocar as mulheres em desvantagem no plano financeiro. Admite-se que o
cônjuge mais sacrificado tenha direito a ser compensado financeiramente.
Contra:
"Como é que vamos quantificar a prestação de quem sacrificou a vida
profissional? Introduz-se uma contabilidade no casamento em que as
pessoas quase se sentem obrigadas a fazer um balanço anual para, no
final do matrimónio, terem um deve e um haver." Desembargador António
Martins
Responsabilidades parentais
Impõe-se o exercício conjunto das responsabilidades parentais nos "actos de particular importância" na vida dos filhos.
Pró:
Evidencia-se a separação entre relação conjugal e relação parental,
assumindo-se que o fim da primeira não pode ser pretexto para a ruptura
da segunda.
Contra: "Vamos ter complicações porque a lei não
especifica as questões de 'particular importância' e vamos ter
sistematicamente processos em tribunal de pais que não se entendem
sobre se o filho deve ter educação religiosa ou se vai para a natação
ou o karaté." Advogada Rita Sassetti
Violação da Responsabilidade Parental
O incumprimento do exercício das responsabilidades parentais passa a ser considerado crime de desobediência.
Pró:
Pretende-se diminuir a ligeireza com que se desprezam as decisões dos
tribunais e se alteram os hábitos e as expectativas dos filhos.
Contra:
"Não é fazendo de tudo crime que se muda a sociedade e se ganha
cidadãos conscientes das obrigações da família." Desembargador António
Martins
Alimentos entre ex-cônjuges
A obrigação de pagar uma
pensão de alimentos ao ex-cônjuge passa a ter carácter temporário e,
mais uma vez, elimina-se a apreciação da culpa como factor relevante da
atribuição de alimentos.
Pró: "Cada ex-cônjuge deve prover à sua
subsistência" e "o credor de alimentos não tem o direito de manter o
padrão de vida de que gozou enquanto esteve casado".
Contra: Pode
representar um espoliar do cônjuge inocente, porque aquele que em nada
contribuiu para o divórcio pode perder a doação do que havia recebido
em função do casamento. Petição do Fórum da Família
Regime Patrimonial
A
partilha passará a fazer-se como se os cônjuges tivessem estado casados
em comunhão de adquiridos, mesmo que o regime convencionado tivesse
sido a comunhão geral.
Pró: Evita que o divórcio se torne um meio de
adquirir bens, para além da justa partilha do que adquiriu com o
esforço comum na constância do matrimónio.
Contra: "As pessoas,
maiores de idade, não devem ser livres para celebrar os contratos que
entenderem, desde que não violando princípios básicos? Este Estado não
estará a invadir demasiado a esfera pessoal?" Desembargador António
Martins
A lei do divórcio "não foi feita para proteger a família"[Tens de ter uma conta e sessão iniciada para poderes visualizar esta imagem]27.07.2008, Natália Faria
Os movimentos pró-família estão contra a nova lei do divórcio. Alguns magistrados também. Onde está o centro do litígio?Socióloga Anália Torres ajudou a desenhar, com Guilherme de Oliveira, o novo regime legal proposto pelo PS para o divórcio
a Não há manifestações de rua como quando, em 1910, a I República
abriu as portas ao divórcio por mútuo consentimento. Mesmo assim, a
nova lei do divórcio abriu brechas profundas entre os magistrados e pôs
as associações pró-família a temer pelo casamento, criando um ruído de
fundo que surpreendeu até os autores da própria lei. "A ideia de que as
leis do divórcio têm muita influência sobre a família não faz sentido
nenhum, porque, no momento do divórcio, a família já está estragada.
Por isso, senti uma surpresa enorme quando ouvi gente queixar-se que
esta lei não protege a família", reagiu ao PÚBLICO o professor
Guilherme de Oliveira que, juntamente com a socióloga Anália Torres,
ajudou a desenhar o regime agora proposto pelo PS.
Para este
professor de Direito da Família na Universidade de Coimbra, "o que é
determinante para proteger a família não é uma lei do divórcio, mas
toda uma ecologia da família: o bairro onde as pessoas vivem ter
equipamentos, os pais não terem que viajar duas horas para deixar as
crianças no infantário, a existência de emprego..." Em síntese, "tudo o
que torne a vida da família mais ou menos confortável", precisa, numa
tentativa de dar a volta ao enredo de uma novela que promete voltar a
bater picos de audiência, quando Cavaco Silva tiver que decidir se
promulga a lei ou se a devolve ao Parlamento.
O desfecho é
imprevisível já que o próprio Presidente da República foi dos primeiros
a alertar para os cuidados a ter no divórcio no respeitante à
estabilidade das famílias e dos filhos menores. E Cavaco não tinha
ainda recebido o abaixo-assinado onde advogados e juízes argumentam que
o novo regime vai aumentar a litigância nos tribunais. Nem a petição
colocada online pelo Fórum da Família, que na sexta-feira já contava
5000 assinaturas e segundo a qual a nova lei deixa as mulheres
desprotegidas.
Guilherme de Oliveira garante que não. E que o que
a nova lei faz é "tornar o divórcio um processo menos traumático". "Só
o facto de se acabar com a prova de culpa diminui muito a
litigiosidade", diz. "Se não tivessem reduzido a zero o conhecimento de
quem lida com a realidade destes problemas, teriam percebido que
estamos a caminhar para uma péssima solução", contrapõe António
Martins, presidente da Associação Sindical dos Juízes.
Menos ódio
A
advogada Rita Sassetti também acha que "quem estava desprotegido vai
ficar ainda mais desprotegido" com a nova lei, um diploma "feito em
cima do joelho e que, em teoria até tem uns princípios engraçados, mas
impossíveis de levar à prática". Já Helena Gersão, do Centro de Direito
da Família da Universidade de Coimbra, diz que as novas regras abrem
soluções "de menos ódio do que a lei actual em que um cônjuge para
conseguir o divórcio tem que se agarrar a todos os pecadilhos que o
outro tenha cometido no âmbito do casamento".
Mas, afinal, quais
são as alterações que a lei introduz? Uma das mais radicais prende-se
com o desaparecimento do "poder parental" que é substituído pelas
"responsabilidades parentais". Tradução: os dois progenitores passam a
ter igual direito de decisão nos "actos de particular importância" na
vida dos filhos, independentemente de quem fica com a guarda. "É uma
medida muito boa que vem ao encontro das reivindicações dos pais
divorciados que se sentem excluídos da vida dos filhos", reage Helena
Gersão, não antevendo aqui qualquer aumento da litigância. "A lei é
muito cautelosa e aqui a alternativa seria afastar um dos progenitores
da vida do filho. Isso é melhor?"
Não será. Mas, para Rita Sassetti,
advogada com 20 anos de experiência em questões do direito familiar,
este raciocínio ignora o que se passa nos tribunais. "Não me admirará
nada que, a seguir, os tribunais comecem a ser entupidos com processos
destinados a determinar se o filho deve ir para uma escola pública ou
privada, para a natação ou para o karaté", declara, preocupada com o
risco de as crianças serem "ainda mais usadas como arma de arremesso,
sobretudo na fase inicial do divórcio, em que qualquer motivo é bom
para chatear o outro". Para a advogada "o bom senso de que os pais
precisam para educar os filhos não é algo que possa ser imposto por
decreto-lei". Assim, Sassetti lamenta que a lei não tenha apostado mais
nos gabinetes de mediação familiar e nos psicólogos forenses.
Intromissão do Estado
No
tocante aos efeitos patrimoniais, a partilha dos bens passará a
fazer-se como se os cônjuges tivessem casado em comunhão de adquiridos,
mesmo que o regime convencionado tenha sido a comunhão geral. "A lei
vem desligar o dinheiro do casamento, evitando que o divórcio se torne
um meio para adquirir bens", sustenta Guilherme de Oliveira. Mas, para
António Martins, trata-se de uma inaceitável intromissão do Estado na
esfera pessoal dos cidadãos. "Será que o Estado pode impor uma coisa
destas? Uma pessoa, maior de idade, não devia ser livre para casar e
para deixar que o outro, pelo esforço desse casamento, entre no seu
património em termos de titularidade?", questiona o desembargador,
recordando que "o casamento é um contrato". As pessoas deviam ser
livres de estabelecer as cláusulas que considerem mais favoráveis
"desde que não violem princípios básicos".
Igualmente polémica é a
questão dos "créditos de compensação". Estes prevêem que, no momento da
dissolução do casamento, o cônjuge que mais contribuiu para os encargos
da vida familiar fique credor do outro. Sobre esta questão, Guilherme
de Oliveira garante que tais "créditos" não podem, em circunstância
nenhuma, ser reclamados por alguém que recebia três vezes mais do que o
cônjuge, conforme sustenta também Helena Gersão. "Se o homem ganha dois
mil euros e a mulher mil, o homem tem a obrigação de contribuir com o
dobro para a economia familiar e não lhe advém nenhum crédito especial
por causa disso", afirma aquela especialista, explicando que o que a
lei prevê é que cada um contribua "em harmonia com as suas
possibilidades".
Guilherme de Oliveira recorda que "os créditos
foram criados para responder às mulheres que se desempregaram para
cuidar da família, que não acabaram os seus cursos, ou que não foram
promovidas na sua carreira porque a família lhes retirava tempo para
investir na profissão e que, por isso, auferem ordenados mais baixos,
fazem menos descontos para a Segurança Social e, no fim, recebem
reformas mais baixas". "Nestes casos", acrescenta, "pode entender-se
que houve uma contribuição manifestamente excessiva da mulher, que, por
isso, pode merecer um crédito de compensação." Já António Martins não
acredita na exequibilidade do princípio. "Como é que quantificamos a
prestação da senhora que sacrificou a vida pessoal e profissional por
causa da família?", questiona. "Não é verdade que os tribunais sabem
quantificar quanto vale uma vida?", devolve, por seu turno, Guilherme
de Oliveira.